TORPEDO # 42 – Quando as motos se tornam estrelas de cinema
“Clube dos Vândalos” chega ao streaming como o novo representante dos filmes bacanas com protagonistas sobre duas rodas. E é mais um passo de Austin Butler ao topo de Hollywood
STREAMING
Austin Butler será um novo ícone de motocicleta?
Ganhador de um Globo de Ouro como o Elvis Presley na cinebiografia dirigida por Baz Luhrmann. Austin Butler ficou conhecido mundialmente como o vilão que enfrenta Timothée Chalamet em “Duna: Parte 2”. Agora, qualquer filme com ele é encarado como mais um degrau do ator californiano rumo ao panteão de Hollywood. E “Clube dos Vândalos”, horroroso título brasileiro para “The Bikeriders”, parece feito para ajudar muito na construção de sua imagem (confira aqui o trailer). Como integrante de uma gangue de motoqueiros nos anos 1960, ele remete ao icônico personagem rebelde vestindo jaqueta de couro interpretado por Marlon Brando em “The Wild One” (“O Selvagem”, de 1953). O trailer está aqui.
O “Benny” de Butler é muito parecido com o “Johnny” de Brando: jovens sem lugar no mundo prontos para se opor a qualquer coisa que a sociedade conservadora ofereça. Se Brando brilhou sozinho no filme de 70 anos atrás, aqui Butler tem a ótima companhia de Jodie Comer como sua namorada, num papel que conduz a narrativa como aquela que tenta manter Benny fora de encrencas. E, principalmente, o filme tem Tom Hardy (“Venom”) vivendo o líder da gangue e grande influência de Benny, para o bem e para o mal. São dois grandes filmes unidos pelas motos. “Clube dos Vândalos” está no Prime Video, e “O Selvagem” pode ser visto na AppleTV e no Amazon Video. Mas há pelo menos mais dois filmes com heróis sobre duas rodas que valem muito a pena.
“Rumble Fish” (“O Selvagem da Motocicleta”, de 1983), disponível na AppleTV, é uma das obras-primas de Francis Ford Coppola. Conta a história de Rusty James, garoto revoltado e líder de uma das gangues locais. Ele vive à espera do retorno do irmão mais velho, apelido de Motorcycle Boy, que teve de ir para longe por problemas com a polícia. E ele retorna, mas tenta a todo custo não ser o guru do caçula. O filme é belíssimo, com fotografia primorosa em preto e branco, e um elenco com muitos nomes que seriam estrelas em pouco tempo. Matt Dillon é Rusty, Mickey Rourke interpreta seu irmão, e ainda estão na tela Nicolas Cage, Diane Lane e Laurence Fishburne, além do veterano Dennis Hopper e de uma participação do cantor Tom Waits. Eis aqui o trailer.
“Easy Rider” (“Sem Destino”) é o filme que sacudiu o Festival de Cannes de 1969 ao colocar a utopia hippie sobre duas rodas. O filme conta a aventura de dois amigos, vividos por Peter Fonda e Dennis Hopper, que deixam suas vidas normais para trás e partem em suas motos para conhecer a verdadeira América. Hopper ganhou em Cannes o prêmio de melhor diretor estreante. Na estrada, eles consomem drogas, atraem mulheres e dão carona a um careta que abre a cabeça para esse mundo alternativo, papel de um jovem e incrível Jack Nicholson. O mais interessante é que, quando o espectador está totalmente seduzido pelo sonho hippie, a força conservadora reage da forma mais bárbara possível. Um filme obrigatório, que está na AppleTV e no Amazon Video. O trailer pode ser visto aqui.
LIVROS
É hora de ler os romances existenciais de Han Kang
Aos 53 anos, a escritora sul-coreana Han Kang pode ser chamada de perseverante. Desde 1997, ela construiu uma carreira em que cada romance não foi recebido com aprovação imediata de críticos e leitores. Em seu país, até o soberbo “A Vegetariana” foi classificado inicialmente como bizarro, esquisito, com sua narrativa sobre uma mulher que decide parar de comer carne e isso faz sua vida virar de cabeça para baixo. Uma história libertária, com uma personagem que desiste de fazer o que sua família espera dela. Fora da Coreia do Sul, as traduções demoraram bastante. “A Vegetariana” teve primeira edição sul-coreana em 2007 e só foi lançado no Reino Unido em 2015. No ano seguinte, sua versão em inglês ganhou o prestigiado Booker Prize. Além desse romance, há mais dois nas livrarias brasileiras que esperam leitores com cabeça aberta para uma escritora que cria histórias nas quais crises existenciais levam as pessoas a desapegos, mudanças, iluminações. “Atos Humanos” é uma ficção que mistura violência e leveza a partir de uma revolta real numa universidade de Seul, em 1980, reprimida com brutalidade. E, mais recente, “O Livro Branco”, talvez sua obra mais pessoal. A personagem é uma mulher sul-coreana que viaja para a Europa num inverno implacável, e a neve branca por todos os lados faz com que ela se recorde da irmã que morreu logo após nascer, nos braços da mãe. Então ela começa a imaginar como seria sua vida se a irmã não tivesse morrido. Uma leitura pesada, mas ainda assim envolvente. Os três romances são publicados pela Todavia. Não tem erro. Se o nome Han Kang está na capa, pode comprar sem receio algum.
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STREAMING
Um filme de possessão que não é cinema de horror
O formato clássico de filme de possessão demoníaca mostra um padre tentando tirar Satanás do corpo de uma garota. Culpa de “O Exorcista”, pai de todo esse subgênero do terror. “Nefarious”, que vai bem de acessos no Prime Video, subverte esse perfil ao confrontar um serial killer condenado à morte e um psiquiatra que precisa dar o diagnóstico que decidirá o destino do outro: se julgá-lo louco, a execução é convertida em internação perpétua numa clínica. James Martin já poderia desconfiar que seria uma roubada sua tarefa, convocado às pressas para substituir o psiquiatra que cuidava do caso, pois este cometeu suicídio. Edward Brady, o condenado, afirma que está possuído por um demônio, Nefarious, que o obriga a cometer os crimes. Logo no primeiro encontro dos dois, Brady diz que Martin cometerá três assassinatos naquele mesmo dia. O mais incrível em “Nefarious” é que se trata de um filme verborrágico, conduzido praticamente pelas conversas entre os dois homens. Há pouca ação fora disso. E, mesmo assim, o filme funciona, captura o espectador e, em alguns momentos, realmente é assustador. Para tanto, conta com duas boas atuações de nomes sem currículos expressivos. Sean Patrick Flanery transmite com impacto a ambiguidade de Brady/Nefarious, e Jordan Belfi se sai bem no papel do perturbado psiquiatra. Talvez “Nefarious” nem seja um filme de terror e se encaixe no que se convencionou chamar de “thriller psicológico”. Mas é muito bom. Confira aqui o trailer.
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MÚSICA
Beabadoobee traz os anos 1990 para a Geração Z
Antes de mais nada, veja o clipe de “She Plays Bass” (clique aqui). Parece saído da MTV do início dos anos 1990, mas é de 2020. Foi o primeiro hit de Beatrice Kristi Ilejay Laus, uma garota filipina que aos três anos de idade foi com a família para Londres. Aos 17 anos, passou a colocar na internet as músicas que criava com uma guitarra comprada de segunda mão, já adotando o nome artístico Beabadoobee. Agora, aos 24 anos, ela lança “This I How Tomorrow Moves”, seu terceiro álbum, que mostra algumas rupturas com os dois anteriores. Se antes Bea trabalhava sozinha ou com produtores novatos de seu círculo de amizades, agora ela foi para o estúdio com Rick Rubin, o veterano midas musical que já produziu 49 entre as 50 maiores estrelas do rock, de Bon Jovi a Red Hot Chili Peppers. Muita gente ficou preocupada com o risco de Rubin matar a espontaneidade do som da garota e estragar o que parecia muito promissor. Bem, a verdade é que este é o melhor disco dela até agora. Rubin não adicionou coisas ao rrabalho de Bea, ele a incentivou a simplificar ainda mais suas canções. O resultado permite perceber melhor que ela canta muito bem e escreve letras de angústia adolescente na tradição de um Kurt Cobain. E a referência ao Nirvana não está aqui de graça. Mesmo que seus fãs, cada vez em número maior, acreditem que a música de Beabadoobee seja uma inovação na pasmaceira da cena atual, ela no fundo faz uma reciclagem do som dos anos 1990. Dá para encontrar ecos de Breeders, Velocity Girl, Teenage Fanclub, Juliana Hatfield e, muito claramente, Sonic Youth, tudo com um filtro pop bubblegum. Basta conferir em “Beaches”, “Ever Seen” e “Take a Bite”, do álbum novo (clique nos títulos para ver os clipes). Para uma amostra dela no palco, é bom ver “Talk”, no Festival de Glastonbury de 2022.
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O MUNDO JÁ FOI MELHOR # 42
Fotos comprovam: a Terra foi habitada por gente muito bacana
A foto acima traz Alain Delon e Monica Vitti em “O Eclipse”, de 1962. Obra-prima do italiano Michelangelo Antonioni, o filme completou a chamada “Trilogia da Incomunicabilidade” que o diretor tinha começado com “A Aventura” (1960) e “A Noite (1961), São três dos maiores momentos do cinema. Nina Cleri, uma das assistentes de Antonioni, disse à época que o diretor era muito corajoso ao colocar sua mulher, Monica Vitti, para contracenar com “o homem mais bonito do mundo”. Realmente, no início dos anos 1960, afirmar isso a respeito de Delon era encarado com muita naturalidade, ninguém contestava. Morto nesta semana, deixou como legado algumas obras-primas, como “Rocco e Seus Irmãos” (1960), “O Leopardo” (1963) e “O Samurai” (1967). E mais de uma centena de filmes, a grande maioria pouco exportada para além das salas de cinema francesas. No streaming, uma busca por seus filmes é decepcionante. Mesmo assim, Alain Delon vai permanecer incontornável na história do cinema.
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