TORPEDO # 01 - Punk das meninas
A banda teen The Linda Lindas, um Drácula diferente, a autoficção de Édouard Louis, Marlon Brando & Marylin Monroe...
MÚSICA
Uma baterista de 13 anos vai salvar o rock?
Uma das bobagens mais insistentes na cultura rock é que, de tempos em tempos, as pessoas cismam que alguém precisa “salvar o rock”. A gente já ouviu isso muitas vezes, coisas como “Strokes é a salvação do rock”, “Vaccines é a salvação do rock”, e por aí vai. Fica fácil entender que o gênero não precisa ser salvo, mas é um tipo de sentimento que surge nos momentos em que artistas roqueiros estão em baixa, com paradas de sucesso e playlists dominadas por outro tipo de música. Bom, se é para continuar nessa brincadeira, a salvação do rock agora vem de Los Angeles e é a banda The Linda Lindas. Com um álbum e várias canções soltas pelas redes, trata-se da mais poderosa combinação de punk com pop bubble-gum que já apareceu desde a estreia das Go-Go's na virada dos anos 1980. E quem viu as Go-Go´s em ação no início de carreira sabe que isso não é pouca coisa.
Quarteto de meninas formado no final da década passada, The Linda Lindas surgiu da amizade de dois imigrantes, um chinês e um mexicano, este um produtor com estúdio no quintal. Cunhados, eles juntaram suas filhas e uma amiga para apresentações em eventos de grupos teen. A formação da banda, na qual todas as integrantes dividem os vocais, tem a guitarrista Bela Salazar, 18, a baixista Elaine Wong, 15, e duas irmãs, a guitarrista Lucia de la Garza, 16, e a baterista Mila, de apenas 13 anos. Se a pouca idade das meninas impressiona hoje, o mais incrível é que o quarteto caiu na estrada pela primeira vez abrindo shows da banda feminista Bikini Kill ainda em 2019. Sim, a caçula Mila estava atrás da bateria com nove anos. E mandando bem!
Elas entraram no estúdio e gravaram canções para o filme “Moxie”, dirigido pela também atriz Amy Poehler. Em seguida, gravaram a música-tema de um documentário da Netflix, “Claudia Kishi”, este o primeiro videoclipe oficial da banda (assista aqui). Em 2021, já durante a pandemia, a banda participou de um evento de grupos juvenis na biblioteca pública de Los Angeles. Um vídeo das garotas tocando ali “Racist, Sexist Boy” viralizou, ganhando elogios de Tom Morello, Flea, Dave Grohl e outros bambas (veja aqui). Contratadas pela Epitaph Records, lançaram o álbum “Growing Up” em junho do ano passado e prosseguiram em uma constante produção de clipes engraçados e de baixo custo, feitos por jovens youtubers mexicanos.
Este ano, fizeram sua estreia no circuito de grandes festivais tocando no Coachella. A mais recente canção é “Resolution/Revolution”, lançada na semana retrasada (veja o clipe aqui). Mas o grande hit das garotas ainda é “Oh!”, que está no álbum e é um hino impecável de rock acelerado. Caçar os clipes na internet vale a pena, e um passatempo divertido é comparar The Linda Lindas em duas gravações disponíveis no YouTube, em que apresentam várias músicas em estúdio, mostrando que realmente dominam essa coisa de tocar rock. Conferir a gravação no World Cafe (quatro canções aqui), em janeiro de 2022, e em seguida ver a performance no estúdio KCRW (show e entrevistas aqui), há três meses, atesta a forte evolução do quarteto. E mostra como a baterista Mila cresceu nesse intervalo! Como dizem seus fãs, “Long live Linda Lindas!”.
CINEMA
Drácula, mas pode chamar de “Alien” em alto-mar
Filme com Drácula é quase um subgênero no cinema. Só neste ano estrearam três, um deles com uma caracterização nada apavorante e muito pavorosa de Nicolas Cage. Mas está agora no cinema uma das mais interessantes apropriações da figura do vampiro. “Drácula: A Última Viagem do Deméter” (veja o trailer aqui), com direção do norueguês André Øvredal, aposta e se dá bem ao utilizar apenas um capítulo do romance de Bram Stoker lançado em 1897. A narrativa se concentra na viagem do navio Deméter, que deixa Carpathia, fictício reino nos Balcãs, levando para Londres 24 misteriosas caixas de madeira, uma delas com Drácula dentro. Bom construtor de filmes de fantasia e terror, como “A Autópia” (2016), Øvredal foi levado a Hollywood por Guillermo Del Toro, que deu ao protegido a direção de “Histórias Assustadoras para Contar no Escuro” (2019). Neste novo longa, o diretor toma a liberdade de inventar mais informações sobre os personagens a bordo, e ao mesmo tempo amplia o clima angustiante que o livro de Stoker já trazia. Com elenco de atores nada conhecidos e descartando sustos fáceis, o norueguês cria uma ambientação muito tensa, culminando num Drácula visualmente bem tenebroso. Em alguns momentos, o espectador vai ter a impressão de estar assistindo a um filme que mais parece uma versão de “Alien: o Oitavo Passageio” num barco. A comparação encaixa bem.
LIVROS
Um escritor que faz arte da própria vida
Édouard Louis é um escritor francês de 30 anos, militante gay e um crítico cáustico de todos os governantes de seu país nas últimas décadas. Depois de seus dois primeiros livros terem sido lançados no Brasil pela Tusquets, “O Fim de Eddy” e “História da Violência”, a Todavia solta agora “Quem Matou meu Pai” e “Lutas e Metamorfoses de uma Mulher”. Duas obras que fazem todo o sentido ao serem lançadas ao mesmo tempo. E que podem ser degustadas com muito prazer se lidas na sequência, tarefa fácil porque são dois livrinhos curtos, narrativas para o leitor devorar em menos de duas horas, tranquilamente. Se bem que não há nada tranquilo na literatura de Édouard Louis. O primeiro livro alterna trechos bem-humorados com profunda depressão ao contar a história de seu pai homofóbico, operário pobre que um acidente de trabalho transformou em um aposentado miserável. E a mulher que aparece no título ao outro pequeno volume é sua mãe, que atravessou infindáveis pressões sociais para, já madura, escapar de uma vida degradante. Sim, Louis faz parte do time da também francesa Annie Ernaux, Nobel de Literatura no ano passado e atual sucesso nas livrarias brasileiras. Ambos transitam nesse gênero chamado autoficção, são autores que usam suas vidas reais como ponto de partida de romances. As obras anteriores já bebiam nessa fonte. “O Fim de Eddy” trata da opressão sofrida por um garoto gay num ambiente pobre e absurdamente conservador. E “História da Violência”, ainda sua obra mais contundente, narra um estupro que sofreu numa véspera de Natal. Nesses dois livros recém-publicados aqui, o desvio do foco para o pai e a mãe deixa os textos menos angustiados e um tanto entrecortados, como dois retratos em peças de quebra-cabeças ainda a serem montados. Édouard Louis é um escritor fascinante, obrigatório.
CINEMA
Ótimas atuações entre sexo e jogos mentais
Coisa rara nas telas dos shopping centers. Entre besouros azuis e tartarugas ninjas, “Passagens” (confira o trailer aqui) é uma pérola do diretor independente norte-americano Ira Sachs, criador de obras sobre relacionamentos incomuns que mudou de patamar de reconhecimento internacional com o ótimo “Frankie”, sucesso em Cannes em 2019, puxado pela estrela Isabelle Huppert. Produção francesa com elenco internacional, “Passagens” retoma o tema do amor de “Deixe a Luz Acesa” (2013), seu filme mais adorado pela crítica. Resumido na forma mais concisa possível, o que não é fácil diante de um enredo com muitas nuances, é a história de um casal: Martin, vivido pelo inglês Ben Whishaw, e Tomas, papel do alemão Franz Rogowski. A vida dos dois é perturbada pela presença de Agathe (Adèle Exarchopoulos). Tomas se apaixona por ela, o que escancara as peculiaridades de seu relacionamento com Martin. Não é um filme sobre paixão. Ele retrata dois homens que exercitam jogos mentais de dominação. As cenas de sexo são fartas, mas frias, geladas, sem firulas, apenas repetições mecânicas que servem para encadear os desdobramentos das idas e vindas dos personagens na trama. Num filme desses, cabe muita responsabilidade aos atores para segurar o interesse do público. Se Rogowski carrega uma certa confusão difícil de decifrar em Tomas, seus colegas protagonistas estão deslumbrantes. São atuações impecáveis e irresistíveis de dois rostos conhecidos dos fãs de cinema. Ben Whishaw já viveu Q, o inventor de gadgets bizarros nos filmes de James Bond na fase Daniel Craig, e Adèle Exarchopoulos ganhou fama mundial muito jovem, com o tórrido “O Azul é a Cor Mais Quente”, que causou frenesi no Festival de Cannes em 2013. Para quem busca um filme adulto e instigante, “Passagens” vale o ingresso.
LIVROS
Um punhado de argentinos perturbados
Se Quentin Tarantino estiver em busca de ideias para personagens de seus próximos filmes, talvez uma conversa com a escritora argentina Mariana Enriquez resolva seu problema. Os tipos esquisitos que habitam as mórbidas narrativas da escritora estão até sobrando em “Os Perigos de Fumar na Cama”, lançado agora no Brasil pela Intrínseca. É um dos primeiros livros da autora, publicado originalmente em 2009, mas que já contém todos os elementos que compõem sua obra. São histórias curtas um tanto assustadoras e muito inquietantes, que talvez causem mais estranheza do que consegue seu livro mais famoso por aqui, “As Coisas que Perdemos no Fogo”, uma compilação de horrores cotidianos lançada pela mesma editora. Uma classificação preguiçosa é encaixar Mariana Enriquez numa espécie de “novo terror”. Na verdade, o que ela faz é muito mais complexo. É como se a autora resgatasse o realismo fantástico de raiz, dos romances latino-americanos da segunda metade do século passado, para apresentá-lo numa urbanidade urgente, inquieta, com uma moldura moderna. Seus tipos? Uma garota com fetiche por homens com patologias cardíacas, um homem que filma casais fazendo sexo e persegue mulheres de saltos altos pelas ruas, turistas num balneário envolvidos num ritual de sacrifício e muitos outros personagens motivados por ódio e vingança. Comentando o livro, o Nobel de Literatura Kazuo Ishiguro definiu esse elenco como “adolescentes perturbados, fantasmas, demônios decadentes, pessoas marginalizadas, tristes e furiosas da Argentina dos dias de hoje”. Impossível ler “Os Perigos de Fumar na Cama” e não ir atrás das outras obras de Mariana Enriquez.
LIVROS
Os vampiros voltam às ruas do Brasil
Dez anos depois, André Vianco lança a continuação de “A Noite Maldita”, romance que explicou a seus leitores vorazes como começou a luta entre humanos e vampiros narrada na saga “O Vampiro-Rei”, contada em três romances entre 2003 e 2005. “À Deriva” ganha assim o subtítulo de “Saga O Vampiro Rei – Prequel 2”. A Lucens Editorial leva este segundo volume às lojas junto com uma reedição da primeira parte. “A Noite Maldita” e “À Deriva” somam quase mil páginas inseridas no universo edificado por Vianco desde seu primeiro best-seller, “Os Sete”, de 1999, que conta o despertar de vampiros trazidos de Portugal no século 17, até então quietinhos numa fictícia cidade litorânea gaúcha. A maior força das obras de Vianco, que até agora totalizam 20 títulos, é a facilidade ao autor em adequar personagens fantásticos e narrativas de um fôlego quase épico em cenários urbanos. Morador de Osasco, em São Paulo, o autor faz de cidades brasileiras locais atraentes para suas sagas vampirescas. Sem querer comparar a intensidade dos romances, ele reproduz o modo operante de Anne Rice nos estados sulistas norte-americanos e de Stephen King na região do Maine, no nordeste americano. São autores que construíram sua ficção em seus quintais. Não é exagero dizer que Vianco é o que existe de mais parecido com King na literatura especulativa brasileira. Mesmo em livros de resultado irregular, há uma consistência na construção de seus mundos particulares de terror. É essa ambientação bem inserida nos cenários nacionais que consolida a enorme legião de fãs do autor. “A Noite Maldita” e “À Deriva” propõem um mundo no qual metade das pessoas está transformada em vampiros e os humanos resistentes enfrentam também a ausência de qualquer meio de comunicação em funcionamento. A luta para impedir que a cidade de São Paulo caia no domínio dos vampiros tem situações que reformatam clássicos do terror apocalítico e fazem mil páginas passarem muito rápido.
O MUNDO JÁ FOI MELHOR # 01
Fotos comprovam: a Terra foi habitada por gente muito bacana
Marlon Brando e Marylin Monroe em ensaio de 1955, clicados pelo fotógrafo e produtor de cinema Milton Greene, o homem que conseguiu registrar as fotos mais descontraídas da atriz.
Eba! Se é do Thales, eu compro! Show, camarada!