TORPEDO # 33 - É muito difícil resistir ao “John Wick indiano”
Dev Patel, rosto conhecido por “Quem Quer Ser um Milionário?”, escreve, dirige e fica diante das câmeras num filme de ação impecável, passado no submundo criminoso de um vilarejo na Índia
CINEMA
“Fúria Primitiva” é ótima ação, e não só isso
Se os ingressos para “Furiosa: Uma Saga Mad Max” acabarem na bilheteria, compre para outra sala e assista a “Fúria Primitiva”, um longa espetacular e violento que teve o azar de estrear no Brasil no mesmo dia de um dos blockbusters mais esperados da temporada. É um filme indiano em que o personagem principal sobe aos ringues vestindo uma máscara de macaco para perder lutas combinadas num submundo de apostas. Talvez indicá-lo possa parecer a princípio pedir muito a um espectador mais refinado, mas a verdade é que “Fúria Primitiva” é uma aula de como fazer arte a partir de pancadaria. E o autor dessa façanha é o ator Dev Patel.
Ela ganhou atenção mundial como o jovem que tenta a sorte em programa de perguntas na TV no filme “Quem Quer Ser um Milionário?” (2008), dirigido por Danny Boyle e vencedor do Oscar. A partir daí, Patel faz uma carreira interessante, com títulos muito bons, como “O Exótico Hotel Marigold”, “Lion: Uma Jornada para Casa” (que deu a ele uma iniciação ao Oscar de Ator Coadjuvante) e “Atentado ao Hotel Taj Mahal”. Mas nada nessa bagagem permitia prever que ele iria embarcar num projeto como ator, diretor e roteirista, e muito menos em um filme de lutas.
Patel faz o papel de Kid, que teve a mãe assassinada por líderes corruptos em um vilarejo. Maturando uma vingança, ele toca a vida e se torna um lutador cansado de perder combates com resultados combinados, levando surras sangrentas de nomes mais populares da torcida em volta do ringue. Mas ele descobre uma maneira de se infiltrar na elite criminosa que comanda o local e começa a colocar em prática sua vingança. O melhor do filme, que permite entender um pouco as diversas castas que formam o tecido social indiano, está na edição de imagens, em ritmo incessante, e a incrível coreografia das lutas. Para quem não acompanha tanto filmes do gênero, é bom saber que grandes coreografias fizeram a diferença nas carreiras de Bruce Lee, de Jackie Chan e de Keanu Reeves na franquia “John Wick”. “Fúria Primitiva” é empolgante. Confira o trailer aqui.
STREAMING
Quem é o monstro nesse pesado drama japonês?
Na década de 1950, o cinema japonês produziu muitos filmes em que uma mesma história, quase sempre de caráter de mistério policial, é contada através de relatos de três ou mais personagens diferentes, oferecendo ao espectador a chance de montar o quebra-cabeças da verdade. Esse subgênero veio de “Rashomon” (1950), uma das várias obras-primas de Akira Kurosawa (1910-1998), que conta a morte de um samurai a partir de quatro personagens, um deles o fantasma do guerreiro assassinado. Em “Monster”, exibido há pouco nos cinemas e agora disponível no Prime Video, o diretor Kore-eda Hirokazu usa o mesmo recurso para mostrar o drama de uma mãe que tenta desvendar as razões do sofrimento do filho na escola. Não se trata de bullying, mas, aparentemente, de um tratamento absurdo dado ao menino Minato por um professor. A recapitulação dos acontecimentos se desenrola na tela pelas visões da mãe, dos profissionais da escola e da própria criança. O filme não suaviza nada, é um enredo que surpreende pela violência contra o garoto. Trabalhar com a sensibilidade de crianças em situações-limite parece ser um tema caro ao cineasta, que também dirigiu um impressionante drama de irmãos abandonados pela mãe, “Ninguém Pode Saber” (2004). “Monster” levou o prêmio de roteiro no Festival de Cannes do ano passado. Aqui está o trailer.
MÚSICA
Chloe Slater não perdoa ninguém em letras ácidas
"Não está claro se estou amadurecendo ou apodrecendo" é um verso de “24 Hours”. Não é muito fácil encontrar letras originais no rock atual. Apesar de ter apenas 21 anos e ter lançado nesta última quinta-feira (23) seu primeiro EP, com apenas cinco músicas, é irresistível destacar as canções de Chloe Slater, britânica de 21 anos. De 2022 para cá, ela buscou mostrar sua música pelo caminho mais comum de sua geração, o TikTok. Mas, ao contrário das garotas de sua idade que procuram a plataforma para fazer suas dancinhas, ela expõe letras contundentes que parecem feitas por uma artista muito mais madura. No EP “You Can’t Put a Price on Fun”, Chloe é uma crítica ferrenha da situação política no Reino Unido, demonstrando ter muito conhecimento sobre os jogos do poder. Uma de suas canções tem um título poético para descrever o desencanto dos jovens em seu país: “Nothing Shines on This Island” (na tradução, “nada brilha nesta Ilha”). Outra música de ataque direto é “Price on Fun”, um desabafo sobre a falta de perspectivas debaixo do espectro do Brexit. Mas a crítica ácida de Chloe Slater mira sua metralhadora verbal também para sua própria geração. Ela escreve versos ferinos sobre cultura de influencer, versos nos quais, mesmo sob uma ótica bem-humorada, não perdoa a passividade de quem se rende ao comportamento digital controlado por interesses financeiros. Para emoldurar essas letras muito interessantes, seu som é uma mistura de rock com pop e um pouco da inflexão do hip hop. Ela é moderna, graciosa, bacana e, se lançar mais alguns discos com o seu EP de estreia, já será a melhor notícia musical em muito tempo. Confira nos clipes “Price on Fun”, “24 Hours” e “Nothing Shines on This Island”. Clique nos títulos para assistir. Ela tem tanta confiança em suas letras fortes que coloca legendas com os versos em todos os vídeos. Chloe Slater tem muito a dizer e sabe disso.
LIVRO
A jornada da mulher que vê gente morta
O editor da Torpedo está cada vez mais convicto que autores e autoras japoneses são os melhores a fazer hoje um tipo de literatura peculiar, de romances breves que ultrapassam o limite do livro de entretenimento, mas sem perder a pegada pop. Banana Yoshimoto, pseudônimo da escritora Mahoko Yoshimoto, 59, escreveu “Doce Amanhã”, publicado agora no Brasil pela editora Estação Liberdade. Ela retoma o tema do luto, que marca sua primeira obra a ganhar muitos leitores fora do Japão, “Kitchen”, de 1988. Mas a carga até considerável de seriedade da obra mais antiga é trocada aqui por uma narrativa mais solar e com uma personagem que dispara sem parar suas conclusões sobre o que acontece com ela e com aqueles que cruzam seu caminho. Aos 28 anos, Sayo sofre um acidente de carro ao lado do namorado. Ele morre, e ela passa algum tempo entre a vida e a morte. Nessa experiência, revê seu cachorro e seu avô, figuras queridas que já morreram há tempos. Dois anos depois, o leitor vai reencontrar Sayo experimentando contatos constantes com pessoas mortas. O enredo se dedica principalmente a duas amizades da protagonista: com um dono de bar e com um homem que mora na casa da mãe morta e acredita que ela possa estar próxima dele. Sayo é capaz de ver a mãe do rapaz e estabelece o contato entre eles. Parece simples, até divertido, mas não é apenas entretenimento. Banana Yoshimoto é uma condutora muito envolvente, inserindo o leitor entre seus relacionamentos que misturam a vida “real” e o “além”. “Doce Amanhã” é um livro curto, para ser devorado rapidamente.
STREAMING
Um bom thriller ressurge entre os mais assistidos
Existe um fenômeno recorrente com os filmes exibidos no streaming. Às vezes, uma plataforma resolve bombar um sucesso antigo, disparando a indicação do filme durante a navegação dos usuários. Por isso, títulos que já tiveram seu devido sucesso há dez ou vinte anos retornam para a lista dos mais assistidos. A bola da vez é “Paranoia”, thriller de 2007 que está entre os atuais favoritos na Netflix. A plataforma ignorou o título nos cinemas brasileiros, e o filme está sendo disponibilizado pelo seu nome original em inglês, "Disturbia". Ele realmente tem qualidades para justificar essa nova onda de aceitação. O roteiro faz uma nítida e não creditada adaptação da obra-prima “Janela Indiscreta”, de Alfred Hitchcock, levada para o subúrbio americano. No clássico de 1954, o protagonista é um homem com a perna quebrada, papel de James Stewart. Confinado em seu apartamento, ele acredita que o vizinho observado pela janela matou uma mulher. Agora, temos um adolescente problemático interpretado por um jovem talento que depois se revelou um ator problemático: Shia LaBoeuf, que teve a promissora carreira um tanto atrapalhada por um comportamento errático. Sofrendo com o luto pelo pai e depois de ter agredido um professor em sua escola, o adolescente Kale é condenado a ficar 90 dias dentro de casa, com tornozeleira eletrônica. Dedicando-se então a uma atividade voyeur, ele descobre com seu binóculo uma coisa boa e uma coisa ruim. A boa é sua vizinha, que vai se transformar no interesse amoroso do personagem principal. A ruim é seu vizinho, um sujeito que dá toda a pinta de ser um serial killer. Não é muito difícil imaginar os desdobramentos desse roteiro, mas a verdade é que o filme dirigido por D.J. Caruso consegue contar essa história com algum frescor, oferecendo um passatempo cinematográfico bem atraente. Se a produção atual no gênero thriller não anda lá essas coisas, “Paranoia”, ou “Disturbia”, é boa diversão. Assista ao trailer aqui.
O MUNDO JÁ FOI MELHOR # 33
Fotos comprovam: a Terra foi habitada por gente muito bacana
Nos últimos dias, artistas gaúchos de música estiveram em evidência nos programas da TV. Uma repercussão natural pela tragédia climática que assola o Rio Grande do Sul. Nessas aparições, o cantor, compositor e guitarrista Humberto Gessinger apareceu em alguns canais e acabou tocando suas músicas ou até vendo outros artistas gaúchos recriarem suas canções. É incrível perceber como a produção de Gessinger à frente da banda Engenheiros do Hawaii tem uma qualidade muito superior a tudo o que é feito na canção pop brasileira hoje. Músicas como “Terra de Gigantes” e “Infinita Highway” são apenas ponta de um iceberg criativo de grande qualidade. Na foto acima, Gessinger e seus companheiros do Engenheiros possam para foto dentro da redação da “Folha de S.Paulo”, em 1986, para divulgar o primeiro álbum do grupo, “Longe Demais das Capitais”. O clique dos jovens músicos gaúchos foi feito pela grande fotógrafa Lia Costa Carvalho. Gessinger não tinha ideia do quanto seria influente nas quatro décadas seguintes.
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Ótima a dica da Chloe Slater. Valeuaê!