TORPEDO # 35 - A volta de um clássico erótico para o Dia dos Namorados
Filme-fetiche que ocupou salas de cinemas de São Paulo por 30 meses seguidos nos anos 1980. “Nove e Meia Semanas de Amor” retorna à tela grande exibindo Mickey Rourke e Kim Basinger
CINEMA
Nove semanas e meia que duraram dois anos e meio
Os jovens leitores da newsletter, que não devem ser tantos assim, não têm ideia do que foi viver nos anos 1980, sem a voragem informativa da internet. Era preciso esperar por meses um filme estrear nos cinemas, e em muitas vezes era bom correr para assistir antes que saísse de cartaz. Assim, o sucesso de um filme era medido por seu tempo de permanência nas salas. Blockbusters como “Star Wars” ou “De Volta para o Futuro” estouravam os dois meses de exibição e eram consagrados. Mas um filme bateu todos os recordes da época, ficando em cartaz no Brasil por 30 meses! Dois anos e meio! E trata-se de um longa com muita história além daquela mostrada na tela. “Nove e Meia Semanas de Amor” é relançado nesta semana em cinemas do Brasil e resgata uma história de percalços e sucessos. No streaming, ele está no catálogo do canal de assinaturas Oldflix , mas ver ou rever o filme nos cinemas, em cópia restaurada, é um ótimo programa.
O filme foi rodado em 1984, baseado no livro de memórias da americana Elizabeth McNeill. A direção ficou com Adrian Lyne, que vinha do sucesso arrasa-quarteirão “Flashdance” (1983). Nos anos seguintes, ele faria muito mais furor com filmes “ousados”, como uma nova versão de “Lolita” (1997), e os estouros de bilheteria “Atração Fatal” (1987) e “Proposta Indecente” (1993), indicado aqui na TORPEDO da semana passada por ter retornado ao streaming. Mas mesmo o estilo visual “sofisticado” de Lyne, que imprime a seus filmes um ar de comercial de TV moderninho, não foi suficiente para atenuar a história que McNeill conta em seu livro. No enredo, a funcionária de uma galeria de arte em Manhattan se envolve com um misterioso corretor de Wall Street. O relacionamento dos dois jovens é desenvolvido em lances de dominação e sadomasoquismo. Os jogos propostos por John vão levando a saúde mental de Elizabeth a limites extremos, num envolvimento com prazer e dor.
As cenas pesadas de “Nove e Meia Semanas de Amor” lançaram seu casal de protagonistas ao estrelato, Mickey Rourke e Kim Basinger, ambos então acabando de entrar nos 30 anos. Mas eles enfrentaram uma espera antes disso. Os produtores consideraram o filme explícito demais e Lyne travou uma batalha de dois anos até conseguir lançar o longa na versão que ele queria. E o fracasso nas bilheterias americanas foi retumbante. Na maioria das salas, foi substituído após duas ou três semanas. Mas, no resto do mundo, a mágica aconteceu. O filme ficou quatro anos em cartaz no Japão, e foi exibido por mais de cinco anos seguidos numa sala de Paris. Em São Paulo, estreou em dezembro de 1986 no Cine Belas Artes e só foi sair em junho de 1989. Rever o filme hoje é apreciar um casal de belos atores numa trama muito mais quente do que similares mais recentes como “50 Tons de Cinza” e outras tentativas, que parecem “Sessão da Tarde” perto de “Nove e Meia Semanas de Amor”. Mas serve também como estudo na sexualidade nos anos 1980, que eram muito mais lascivos antes da repressão estimulada pela chegada da Aids. Confira aqui o trailer.
STREAMING
Uma heroína antipática numa França gelada
Há uma diferença muito saudável nas séries policiais produzidas na Europa em relação às norte-americanas. Os europeus, notadamente espanhóis e franceses, não enxergam problema algum em criar personagens antipáticos, desagradáveis até, mesmo que sejam os protagonistas, os “mocinhos” da trama. Chegou à Netflix mais um exemplo desse tipo de entretenimento, a minissérie “Antracite”. É muito fácil não gostar de Ida Hellmann, a podcaster que vai até uma estação de esqui no norte da França para descobrir o paradeiro do pai. Jornalista investigativo veterano, ele resolveu retornar a essa cidadezinha que há duas décadas foi cenário de um suicídio coletivo entre seguidores de uma seita apocalíptica. Em sua busca por respostas, ela se envolve com um rapaz em liberdade condicional que deixou Paris para arranjar um emprego ali, onde mora seu tio. E os dois estão na mira de uma inquieta policial local. A sucessão dos acontecimentos leva Ida a descobrir que seu pai estava em contato com o líder da seita, que cumpre prisão perpétua na região, e que seu novo amigo é filho de uma mulher que participou do grupo suicida. Ida é prepotente, tenta disfarçar sua insegurança com muita pose de grande investigadora e não vai demorar a perceber que está lidando com algo grande e violento. A série tem seis episódios e passa os três primeiros colocando mais elementos misteriosos na trama. Depois os roteiristas precisam rebolar bastante para amarrar todas as pontas. A conclusão talvez não agrade a todos, mas, definitivamente, “Antracite” é divertida e bem diferente do que as ofertas habituais nas plataformas. Assista aqui ao trailer.
MÚSICA
O free jazz orgânico e sublime de Alice Coltrane
Quem gosta de música ligeira, tipo hit do TikTok, pode pular esta indicação. O assunto aqui é um disco de faixas longas, para ser apreciado com muita atenção. Com certeza, é o melhor lançamento de jazz até agora neste ano, e, se é jazz de primeira, claro que é coisa antiga. “The Garnegie Hall Concert” traz o registro de um show antológico de 1971 que a harpista e pianista Alice Coltrane apresentou na lendária casa de Nova York. Ela tinha então 34 anos e era viúva do saxofonista John Coltrane (1926-1967), um inquestionável gênio do jazz, certamente no top 3 da história desse gênero. E não é fácil ficar à sombra de um gigante. Nos anos seguintes, Alice se converteu ao hinduísmo, adotando o nome de Swamini Turiyasangitananda, passando a ser devota do guru Sai Baba. Ele retomaria a carreira no fim dos anos 1990, mas com poucas gravações e shows raros. O que essa noite no Carnegie Hall traz são faixas com 20 ou quase 30 minutos cada. É free jazz, que soa fluido, orgânico, sensível. Ouvir o disco é uma experiência de imersão. São quatro músicas: “Journey to Satchidananda”, “Shiva-Loka”, “Africa” e “Leo”. Acompanhada de oito feras que já haviam trabalhado com ela ou John, Alice exerce seu incrível lado bandleader. Como destaques, o baixo de Cecil McBee e o fantástico Pharoah Sanders tocando sax tenor, sax soprano e flauta. Ela começa a apresentação na harpa e, na metade da longa e hipnótica “Africa”, passa ao piano, num momento sublime. Essas gravações já haviam sido lançadas em discos piratas, encontráveis na internet. Mas agora, como o álbum ressuscitando num processo de restauração digital, vale a pena ir atrás. Para quem quiser se arriscar nas versões não tão bem gravadas, basta clicar a seguir nos títulos das músicas para ouvir o som com imagens abstratas no YouTube: “Journey in Satchidananda”, “Shiva-Loka”, “Africa” e “Leo”. Mas só a audição do álbum oficial permitirá apreciar totalmente o jazz como há muitos anos ninguém mais sabe fazer. Alice morreu em 2007, aos 69 anos.
STREAMING
O “pai” dos Muppets ganha ótimo documentário
Uma ótima coincidência. Um dos maiores sucessos atuais no streaming é a minissérie “Eric”, indicada na versão anterior desta newsletter, que tem como personagem central um homem que comanda um programa de marionetes na TV dos anos 1980. Agora, entra no Disney+ o documentário “Jim Henson: O Homem das Ideias”, documentário sobre o verdadeiro rei das marionetes na TV americana. Ele foi o criador de “The Muppet Show”, o programa que encantou espectadores de todas as idades entre 1976 e 1981. O filme traça toda a trajetória de Henson, que no final dos anos 1960 participou também de outro marco nos programas infantis, “Vila Sésamo”, que foi adaptado no Brasil na década de 1970. O documentário é dirigido por Ron Howard, conhecido por “Uma Mente Brilhante”, “Splash: Uma Sereia em Minha Vida” e “Apollo 13”, e traz depoimentos de pessoas que trabalharam com Henson, desde seu parceiro de criação Frank Oz até profissionais que construíram as marionetes que fizeram tanto sucesso. Além, é claro, de artistas que participaram como convidados do “Muppet Show”, contracenando com o sapo Caco e a porquinha Miss Piggy. Henson morreu em 1990, aos 53 anos, devido a uma infecção bacteriana. Além do currículo brilhante na TV, conseguiu sucesso no cinema com os filmes de fantasia “O Cristal Encantado” (1982) e “Labirinto” (1986), este estrelado por David Bowie e Jennifer Connelly, atriz que fala sobre sua amizade com Henson no documentário. Confira aqui o trailer.
STREAMING
Um tubarão gigante faz turismo em Paris
O editor da newsletter precisa confessar: é viciado em filme de tubarão. É um subgênero do cinema que parece não ter limites. Ele já viu filme de tubarão que vai para o espaço, tubarão com duas, três e cinco cabeças, toda a saga trash “Sharknado” e, claro, os clássicos, como “Jaws”, de Steven Spielberg, o inventivo “Águas Rasas”, com Blake Lively, o alucinado “Megatubarão” e o imbatível “No Fundo do Mar”, aquele em que o tubarão gigante e inteligente engole de uma vez só o Samuel L. Jackson, numa das cenas mais engraçadas do cinema. Mas, por essa ninguém esperava: um filme de tubarão ambientado em Paris. “Sob as Águas do Sena”, ou “Under Paris”, na versão em inglês, está disponível na Netflix há poucos dias, mas os fãs farejam de longe esse tipo de atração. Dirigida por Xavier Gans, que tem no longo currículo o ótimo “Hitman: Assassino 47” (2007) e a boa série “Gangs of London” (2020), a produção francesa é estrelada por Bérénice Bejo, atriz indicada ao Oscar por “O Artista (2011). Ela faz o papel da cientista Sophie, chamada por ambientalistas que detectam um monstrengo percorrendo os canais do rio Sena. Para aumentar a tensão, a cidade vai sediar o Mundial de Triatlo, e em menos de 24 horas dezenas de atletas internacionais vão entrar no rio para a disputa da parte aquática da modalidade. Sob pressão da prefeita, que esconde da imprensa o visitante indesejado, Sophie tenta achar o tubarão, que é na verdade uma fêmea que a cientista já conhece de outras águas! Na corrida para evitar uma carnificina, ela se envolve com o comandante da polícia local. Para quem não tiver objeções a filme de tubarão, é uma diversão cheia de boas sacadas. Não deixa de ser engraçado e oportunista o filme estrear poucas semanas antes da Olimpíada de Paris, que terá provas de alguns esportes disputadas nas águas do rio. Aqui está o trailer.
O MUNDO JÁ FOI MELHOR # 35
Fotos comprovam: a Terra foi habitada por gente muito bacana
A foto acima foi feita no Van Gelder, mítico estúdio de gravação em Englewood Cliffs, New Jersey, em 26 de setembro de 1962. Ali, Duke Ellington e John Coltrane gravaram naquela dia um disco ímpar na história do jazz. Amigos se revezaram no baixo e na bateria, mas o que importa mesmo é o diálogo suave entre o piano de Duke e o sax de Coltrane nas sete faixas do álbum. Entre elas, duas ainda mais incríveis do que as outras já muito boas: “In a Sentimental Mood”, que era standard no repertório de Ellington, aqui numa versão matadora, e “Big Nick”, peça que Coltrane tinha terminado poucos dias antes. Música como não se faz hoje, com certeza. O álbum “Duke Ellington & John Coltrane” é bem fácil de encontrar nas plataformas. Ainda bem.
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