TORPEDO # 63 - Richard Gere entre verdades e mentiras
“Oh, Canadá” é o reencontro do ator com o diretor Paul Schrader, e o resultado é um filme denso, maduro e cheio de surpresas, num ajuste de contas com o passado
CINEMA
Richard Gere entrega uma performance antológica
Richard Gere quase teve seu caminho rumo ao estrelato interrompido logo no começo, quando produtores puxaram seu tapete. Na segunda metade dos anos 1970, ele era um sucesso na Broadway no musical “Grease”. Recusou vários projetos de filmes interessantes ao fechar contrato para a adaptação cinematográfica do musical. Mas, como todo mundo sabe, o Danny do cinema foi John Travolta, que estourou um ano antes com “Os Embalos de Sábado à Noite” e ganhou assim outro papel consagrador logo em seguida. O dinheiro da multa por quebra de contrato não foi importante para Gere. Seu problema passou a ser retomar contatos para outros projetos. Um deles, “Cinzas no Paraíso” (1978), foi um sucesso cult dirigido por Terrence Malick. No entanto, sua carreira só retomou o rumo com um polêmico sucesso de bilheteria em 1980, “Gigolô Americano”. É o terceiro longa dirigido por Paul Schrader, na época já reconhecido como um grande roteirista. Ele escreveu “Taxi Driver” para Martin Scorsese. Em 1980, a prostituição masculina era algo inédito no cinema mainstream americano. Gere faz o papel de Julian, garoto de programa que atende ricaças e é incriminado num assassinato. O filme, com cena de nu frontal do protagonista, faz muito barulho e transformou Gere em astro. Schrader continuou sua carreira escrevendo e dirigindo grandes filmes, mas longe do sucesso nas bilheterias. Agora, Gere, 75, e Schrader, 78, mostram muito fôlego em “Oh, Canadá”, em cartaz nos cinemas.
O documentarista Leonard Fife, papel de Gere, está muito doente, talvez viva apenas um pouco mais. Aceita ser entrevistado por antigos alunos que desejam fazer um filme em sua homenagem. Além de ter dirigido um documentário premiado, no qual revela atividades ilícitas do exército americano, Fife é considerado um herói pacifista, por ter se recusado a combater na guerra do Vietnã nos anos 1960, sendo obrigado a fugir para o Canadá. Com a câmera ligada, para surpresa de todos, o entrevistado começa a contar episódios de sua vida desconhecidos até por sua mulher, Emma (Uma Thurman), e revela uma carreira de sucesso construída em cima de mentiras. Vários episódios deploráveis são exibidos em flashback, e no papel do jovem Fife está Jacob Elordi, vindo do sucesso de “Saltburn” e da série “Euphoria”. Contado dessa forma, o enredo já é atraente, mas a coisa fica ainda mais interessante quando Schrader insere cenas em que o velho e o jovem Fife contracenam com personagens de épocas diferentes. Elordi está ótimo, mas o filme é mesmo de Richard Gere, numa interpretação impecável na qual mistura melancolia e cinismo. Um ator excepcional muitas vezes subestimado pela crítica, Gere está dando entrevistas falando de uma iminente aposentadoria. Então é bom ver “Oh, Canadá” e aproveitar enquanto ele quiser oferecer desempenhos tão bons quanto esse. Confira aqui o trailer.
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MÚSICA
Um synthpop safado, da Malásia para o mundo
No último dia 15 de maio, chegou às plataformas “Modern Romance”, segundo EP de uma cantora de 28 anos que nasceu na Malásia e está radicada na Inglaterra desde a adolescência. Chloe Qisha canta suas letras com comentários sarcásticos a respeito de quase tudo. A moça coloca seu vocal, que vai facilmente do sussurro ao grito, em cima de uma base musical dançante que, numa classificação ligeira, pode ser chamada de synthpop. O que não quer dizer que Chloe esteja pagando tributo ao Depeche Mode e congêneres. Na verdade, desde o EP anterior, que leva seu nome e foi lançado há seis meses, ela pega os teclados eletrônicos dos anos 1980 e mistura vigorosamente com ganchos da melhor música pop feita recentemente. Ela soa moderna e confiante. Em menos de um ano de carreira, construiu uma figura midiática irresistível. Dá entrevistas no gênero “sincerona” e veste roupas ousadas, flertando com couro, roupas esportivas e underwear. Numa reclamação bem-humorada, ela já disse que ultimamente recebe mais convites para editoriais de revistas sofisticadas de moda do que chances de apresentar sua música em algum lugar. Mas é impossível não ver e ouvir Chloe Qisha. Ela lançou videoclipes de praticamente todas as canções que gravou até agora. Para ver e ouvir algumas muito boas, clique nesses títulos: “I Lied, I’m Sorry” e “Sexy Goodbye”, do primeiro EP, e as novas “A-Game”, “Sex, Drugs & Existential Dread” e “Modern Love”.
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STREAMING
Bono conta histórias em seu pocket-show
Essa indicação é uma mistura de streaming e literatura. É que Bono, vocalista do U2, atacou nessas duas frentes para contar um pouco de sua história pessoal. Primeiro, lançou o livro de memórias e divagações “Surrender: 40 Músicas, Uma História”, publicado no Brasil em 2022, pela editora Intrínseca. O volume relaciona episódios de sua vida com canções famosas do seu grupo. Foi um tremendo sucesso nas livrarias, mas provavelmente contou com a boa vontade dos fãs da banda. É uma narrativa longa, enfadonha e na qual Bono se mostra realmente preocupado demais com o próprio umbigo. Para divulgar o livro, ele criou uma espécie de show intimista, quase um pocket-show, onde ele se apresenta com um produtor e multi-instrumentista, uma tocadora de cello e uma harpista. Ele fez dez shows do Beacon Theatre, em Nova York, e é desse material que saíram as cenas que aparecem em “Histórias de ‘Surrender’”, documentário disponível agora na AppleTV+. É uma mistura de show com muita falação e contação de casos. Alguns artistas já fizeram isso com espontaneidade. No caso de Bono, ele escreveu um roteiro completo para as apresentações. Tem bons lances poéticos, algumas coisas engraçadas, mas também muita insistência no relacionamento com os pais e também as incontáveis declarações de amor à mulher, Ali, que ele conheceu na adolescência. Musicalmente falando, as canções são aqueles poderosos hinos que o U2 levou aos palcos como se estivesse numa missão de melhorar o mundo. Com a instrumentação enxuta para acompanhá-lo, as canções mais despojadas tiveram resultado melhor, em grandes momentos como “With or Without You”. Rocks acelerados, como “I Will Follow” e “Vertigo”, não chegam a empolgar tanto. De qualquer maneira, é imperdível para fãs do U2 e para quem acompanhou o rock da década de 1980 bem de perto. Eis o trailer aqui.
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STREAMING
Toda a versatilidade de um jovem Al Pacino
No início dos anos 1970, o mundo era bem diferente, e o cinema também. Para a plateia de hoje é difícil acreditar. mas até então não eram produzidos filmes em que os bandidos levavam a melhor no final ou que mostrasse policiais corruptos. E um mesmo nome se mostrou fundamental na derrubada dessas visões ingênuas. Em 1971, o diretor americano Sidney Lumet (1924-2011) quebrou o primeiro tabu com “O Golpe de John Anderson”, com Sean Connery, que mostrava uma quadrilha se dando bem num complicadíssimo plano de roubo. Dois anos depois, o mesmo cineasta fez o filme que, até então, foi a mais dura denúncia de corrupção policial. Baseado em um personagem real, “Serpico”, com Al Pacino. foi feito para escancarar as ações corruptas no Departamento de Polícia de Nova York. Se o ator é mais lembrado por outros filmes que fez no período, como “O Poderoso Chefão”, “O Espantalho” e “Um Dia de Cão”, foi com “Serpico” que ele realmente ganhou um lugar no panteão das grandes estrelas. Havia muita expectativa a respeito do filme, por causa da polêmica do livro escrito por Peter Mass e Frank Serpico, no qual é narrado tudo de podre que Serpico encontrou em 11 anos trabalhando como policial em Nova York. Com o filme pronto, o que se viu foi muito mais do que isso. Além do grande impacto que as revelações do roteiro ofereciam, Pacino soube aproveitar muito bem o personagem. Serpico trabalhava disfarçado nas ruas, então Pacino recebeu uma série de tipos diferentes para fazer, trocando de roupa, cabelo e modo de falar. Assim, esse filme policial muito bom também dava a chance de ver a versatilidade de Pacino encarnando essas personas. “Serpico” volta a aparecer no streaming depois vai ficar muito tempo afastado. Está disponível no Max. O negócio é correr para assistir. Veja aqui o trailer.
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O MUNDO JÁ FOI MELHOR # 63
Fotos comprovam: a Terra foi habitada por gente muito bacana
Na foto, registrada em 1971, Francis Ford Coppola dá orientações a Al Pacino durante as gravações de “O Poderoso Chefão”. A vida do cineasta nessa produção não foi fácil. Os investidores que estavam colocando dinheiro no filme não queriam Marlon Brando no papel de Don Corleone, porque o consideravam um astro em decadência. e eles também não queriam Al Pacino no papel do filho do mafioso, Michael, por ser um ator desconhecido. Bom, o diretor bancou os dois e para muita gente fez o melhor filme de todos os tempos. Mas, segundo relato do próprio Pacino, Coppola deve ter ficado desconfiado no primeiro dia de filmagens. Na cena programada para ser rodada, o ator deveria dançar, conversar em italiano com algumas pessoas e depois entrar num carro e ir embora. Então Pacino revelou ao diretor que ele não sabia dançar, não entendia nada de italiano e também nunca tinha dirigido um carro. Ninguém sabe como ele permaneceu no elenco, mas ainda bem que isso aconteceu.
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