TORPEDO Biblioteca # 05 - Alan Moore e sua obra mais ambiciosa
“Jerusalém” é um romance de mais de 1.600 páginas no qual o autor britânico reúne elementos narrativos característicos de sua obra, numa celebração para os fãs
BOX
Alan Moore oferece deslumbramento aos seguidores
Estão na pauta nesses dias duas obras que merecem, de certa forma, uma contemplação um tanto parecida. Uma é “Megalópolis”, o novo filme de Francis Ford Coppola, que é assunto da edição da TORPEDO na próxima quinta-feira. A outra é “Jerusalém”, livrão escrito pelo britânico Alan Moore que transforma sua cidade, Northampton, na protagonista de uma história épica e alucinada. As duas obras são igualmente pretensiosas, ambiciosas, e isso é ótimo quando seus criadores figuram entre os principais nomes de todos os tempos naquilo que se dispuseram a fazer. Estão acima de julgamentos. Quem é fã deve apenas agradecer a eles por terem lançado esses trabalhos, para serem degustados com intensidade. Aqui o assunto é Alan Moore, escritor e roteirista de quadrinhos britânico de 70 anos, um mestre que não tem leitores, mas sim seguidores (desde antes dessa palavra ser banalizada nos dias de hoje). Ele é o cara que conseguiu ser comparado a James Joyce e Leon Tolstoi escrevendo sagas para Batman ou para o Monstro do Pântano! Moore é um mágico (no sentido literal da palavra), um ocultista e um anarquista. Esta última classificação transparece em seus quadrinhos dedicados à reação ao establishment e a situações de lutas contra as normatizações, como em “V de Vingança” e “Do Inferno”. Essas e outras de suas obras incontornáveis de HQ, como “A Liga Extraordinária” e “Watchmen”, podem parecer delirantes e visionárias, mas talvez até sejam simples em comparação ao que ele faz apenas com o texto, longe dos quadrinhos. Todos os romances de Moore são irresistíveis. “Jerusalém”, lançado originalmente em 2016, chega ao Brasil pela Veneta com mais de 1.600 páginas em três volumes, vendidos em box, e reúne ideias e preocupações que permeiam sua vasta obra. Ao contar um grande arco narrativo fantástico, Moore ata e desata constantemente os fios da história. E a leitura, de percalços deliciosos, também é desconstruída com a opção por vários formatos. Há capítulo em verso, muitas mudanças claras de estilo de narrativa e, numa análise grosseira, é possível considerar o segundo volume como um livro infantojuvenil. “Jerusalém” não pode ser recomendado como introdução ao universo de Moore. Seria uma overdose aos desavisados. É mais uma celebração impressa em papel para seguidores, um épico pop lotado de referências. E, como sempre, Moore precisa de boas traduções, e o trabalho de Marina Della Valle é notável.
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ECONOMIA POP
Uma introdução às discussões de Thomas Piketty
O fenômeno é muito comum na literatura de não ficção. De tempos em tempos, surge um autor que ganha o mundo com um livro, seja de que área for, que consegue expandir conceitos acadêmicos ao grande público. É fácil tomar como exemplo o historiador israelense Yuval Noah Harari, que fez isso com “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”, em 2011. Quem for mais velho pode se lembrar do marxista norte-americano Marshall Berman e seu “Tudo que É Sólido Desmancha no Ar”, best-seller de 1982. A partir daí, eles podem publicar outros livros menos impactantes e ainda assim permanecem entre os mais vendidos. É o efeito residual de sua obra de fôlego. Então a gente chega ao economista francês Thomas Piketty, 53 anos, que abalou as estruturas em 2013 com “O Capital no Século 21”. O livro disparou a discussão mais intensa sobre taxação de fortunas no combate à desigualdade que vem da concentração de renda nos países desenvolvidos. Nos anos seguintes, ele dominou essa discussão, com dois grandes ensaios, “A Economia da Desigualdade” e “Capital e Ideologia”, além de coletâneas de artigos. Agora, chega às livrarias “Natureza, Cultura e Desigualdades”, pela Civilização Brasileira. Obs: seus livros anteriores saíram aqui pela Intrínseca. Na verdade, é um pequeno volume que não é tecnicamente um livro. É a versão impressa de uma conferência que ele deu na Sociedade de Etnologia de Paris, em 2022. Aqui ele joga a questão ambiental no centro de sua discussão favorita e defende impostos progressivos para financiar educação com foco na preservação do planeta. De certa forma, o livrinho funciona como esses pequenos volumes que pretendem ser uma introdução rápida a algum filósofo em pouquíssimo tempo, tipo “Espinosa em Duas Horas” ou coisas assim. Na verdade, a atração do lançamento é inserir o leitor nas propostas aparentemente tão relevantes de Piketty de uma forma amena, sem exigir demais de quem se aventura pela primeira vez no pensamento do francês. E, para quem ainda está impactado com “O Capital do Século 21”, é interessante observar como ele é esperto para enganchar suas discussões na questão urgente dos problemas ambientais.
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ROMANCE
Resgatando a poderosa estreia de Tomás González
Na juventude, Tomás González estudava filosofia na Universidade Nacional da Colômbia, e à noite trabalhava de barman em um disco club chamado El Goce Pagano (traduzindo, “o gozo pagão”). O dono de um estabelecimento com esse nome só pode ser um cara legal, e ele provou isso em 1983, ao financiar a publicação do primeiro romance de seu funcionário, “No Princípio Era o Mar”, que acaba de chegar às livrarias brasileiras numa edição da Bertrand Brasil. Logo após lançar esse livro, o autor trocou a Colômbia por Miami e, em seguida, Nova York, onde ganhou a vida como tradutor e conseguiu lançar alguns romances. Desde 2002 morando novamente em seu país, aos 74 anos ele acumula elogios da crítica e boas vendagens. O melhor nesse lançamento brasileiro é que sua obra de estreia já é um ótimo cartão de visitas para seu trabalho de narrativas enxutas, mas poderosas. “No Princípio Era o Mar” é especialmente atraente para leitores jovens (por favor, não confundir com essa bobagem de literatura “young adult”). Elena e J., os protagonistas, formam um casal que deixa uma vida confortável e boêmia na cidade grande para tentar viver na costa colombiana. Levam com eles o sonho de uma vida sustentável num cenário de natureza exuberante. E não é que dá tudo errado nos planos do casal? Tudo mesmo. Não bastasse a resiliência dos dois ser testada à exaustão, surge um personagem que pode injetar uma violência brutal nessa história. Depois de ler esse, será difícil não procurar outros livros de Tomás González.
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LEITURA
Francesa debate o livro na aventura humana
Aos 78 anos, a antropóloga francesa Michèle Petit é a maior referência mundial na pesquisa de práticas de leitura. E ela tem uma característica essencial para alguém que se dedica a fazer as pessoas compreenderem melhor a leitura: escreve de uma maneira acessível, divertida e empolgante. Não há nada mais distante de uma aula sisuda na academia do que este “Somos Animais Poéticos”, que a Editora 34 lança no Brasil. Aliás, o selo é casa da autora francesa por aqui. A 34 lançou também “Os Jovens e a Leitura” (1998), “A Arte de Ler” (2008), “Leituras: do Espaço Íntimo ao Espaço Público” (2013) e “Ler o Mundo” (2014), clássicos da compreensão da leitura que podem ser comprados separadamente ou num box. Juntá-los faz total sentido, porque neles está clara a preocupação da antropóloga com jovens e pessoas em condição de vulnerabilidade social diante da questão do aprendizado e do lazer com os livros. Voltando ao lançamento, o subtítulo na capa da obra já aponta pata os rumos da discussão: “A Arte, os Livros e a Beleza em Tempos de Crise”. Essa obra da francesa é a primeira a inserir a questão sob os efeitos da pandemia de Covid-19 e discute como a literatura escrita, e também oral, pode oferecer apoio na recuperação dos desejos reprimidos em situações-limite. Resumindo assim, parece um livro “cabeçudo”, mas é justamente o oposto disso. “Somos Animais Poéticos” é um convite à reflexão sobre a leitura a partir do hábito de ler como conexão pessoal na sociedade. Um desses livros de abrir a mente para coisas novas.
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