TORPEDO Biblioteca # 22 - Você (e todo mundo) precisa ler “Ardil 22”
Obra fundamental na literatura mundial do século 20, o romance antibélico e satírico de Joseph Heller ganha nova edição brasileira
OBRA-PRIMA
Entre a loucura e a sanidade, mas com humor
Considerado um dos maiores romances americanos do século 20, frequentemente incluído em listas de obras obrigatórias da literatura mundial, “Ardil 22” foi publicado originalmente em 1961 e parece ter sido escrito ontem. Neste tempo atual de burocracias digitais, no qual os dirigentes desprezam as necessidades das pessoas e criam sistemas incompreensíveis para a grande maioria da população, o livro de Joseph Heller continua sendo uma metáfora poderosa sobre o absurdo do mundo. Na falta de uma definição melhor, é um romance satírico ambientado na Segunda Guerra Mundial, relançado agora no Brasil pela Record. Narra as andanças de John Yossarian, um soldado da Força Aérea americana que abre as portinholas que despejam as bombas dos aviões. Num batalhão baseado na ilha de Pianosa, na Itália, ele está desesperado para se livrar do perigo e tenta provar que está louco, para ser dispensado das missões. Mas ele é confrontado com uma regra burocrática que anula aquilo que é chamado de ardil 22, o fingimento de uma doença para escapar do combate. Segundo seus superiores, Yossarian tem medo de morrer, e isso prova que ele está lúcido em relação ao que está acontecendo. Num longo e curioso desfile de retóricas, a história tem personagens muito engraçados, jogados em situações absurdas. Por trás de uma premissa complexa, “Ardil 22” é uma leitura muito agradável.
Joseph Heller (1923-1999) buscou inspiração em sua própria experiência na Segunda Guerra Mundial. Ele foi um soldado bombardeiro e ficou a maior parte do tempo em solo italiano. De família pobre, ele conseguiu bolsa para cursar literatura na Universidade de Columbia. Trabalhou muito tempo como redator publicitário em Nova York antes de conseguir publicar suas histórias. Escreveu livros bem bacanas, inclusive uma continuação de “Ardil 22”, em 1994, chamada “Closing Time”, livro no qual retoma os personagens da guerra agora envelhecidos, numa discussão filosófica sobre a finitude da vida. Mas tudo o que ele publicou depois de “Ardil 22” ficou à sombra de sua obra-prima. Embora se passe na Segunda Guerra, os leitores jovens da década de 1960 tomaram a sátira corrosiva de Heller como instrumento de protesto contra a Guerra do Vietnã. “Ardil 22” rendeu duas boas adaptações nas telas. Um longa-metragem em 1970 (foto acima), dirigido por Mike Nichols, e uma minissérie produzida e estrelada por George Clooney, em 2019, que é inferior ao filme. Nichols (1931-2014), excelente cineasta de obras como “A Primeira Noite de um Homem” (1967) e “Closer” (2004), conseguiu uma adaptação adequada do livro, mas nada supera o impacto de ler “Ardil 22”.
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SCI-FI
Mais do que amantes de séculos diferentes
Existem muitos leitores que são atraídos por livros que misturam gêneros diferentes. Para esses, “O Ministério do Tempo”, saindo no Brasil pela Rocco, pode ser imperdível. É o romance de estreia da britânica Kaliane Bradley, de 35 anos, que passou mais de uma década escrevendo sobre livros, inclusive na prestigiosa revista literária “Granta”. Depois de ganhar alguns prêmios com seus contos, ela reúne neste livro ficção especulativa, romance histórico, sátira ácida à burocracia e, principalmente, uma narrativa de amor. A autora subverte o que poderia ser apenas mais um livro sobre viagens no tempo. Sua protagonista é uma funcionária pública escalada para trabalhar no Ministério do Tempo. Trata-se de um projeto ainda secreto de recepção aos chamados “expatriados”, pessoas que são trazidas do passado para os dias de hoje. Esses viajantes da máquina do tempo criada pelos cientistas britânicos precisam se adaptar aos tempos modernos, e cada um deles é acompanhado por um tutor com essa missão. A heroína do romance é designada para cuidar de um explorador inglês do século 19, tirado do seu navio diretamente para as ruas de Londres. Mas comete então o pior dos erros para alguém em sua função: ela se apaixona pelo homem que veio do passado. Resumido dessa maneira, “O Ministério do Tempo” corre o risco de passar com um livrinho de ficção científica com uma ingênua inserção ao romance para garotas. Mas Kaliane mira em outro alvo. É no embate diante dos controladores do projeto e no questionamento ético e moral de tirar uma pessoa de sua época e levá-la à outra que a escritora traz inovação a um gênero de aventura sci-fi que há muito tempo parecia esgotado.
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TORPEDO Sebo é uma lista de livros, discos de vinil, CDs, Blu-ray e DVDs que eu estou colocando à venda, num exercício duríssimo de desapego. São mais de 1.000 itens, em ótimo estado. Quem quiser conferir o que está disponível deve mandar um e-mail para thales1962@gmail.com, e eu envio a lista para os interessados.
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SCI-FI (OU NÃO?)
Discussões filosóficas em um cenário sideral
O livro ganhou o Booker Prize 2024 e foi comparado a uma ficção científica escrita por Virgínia Woolf. Bem, a premiação parece justíssima, e a comparação com a deusa inglesa da literatura é sem dúvida exagerada. Mas, de forma grosseira, pode realmente ser uma definição para “Orbital”, da editora DBA, um volume de apenas 180 páginas no qual a escritora britânica Samantha Harvey coloca astronautas de nacionalidades diferentes cumprindo uma missão em órbita da Terra e discutindo coisas da vida. Se muita gente concorda com a expressão banal de que os problemas pessoais não são nada perto da imensidão do universo, quando eles são discutidos já inseridos no espaço sideral essa consideração realmente ganha contornos estratosféricos. Lançado no Reino Unido em 2023, “Orbital” foi escrito durante a pandemia e a escolha claustrofóbica de sua ambientação reflete a reação diante do lockdown. A autora coloca dentro de uma mesma nave seis astronautas, vindos do Japão, dos Estados Unidos, da Itália, da Inglaterra e da Rússia, único país com dois tripulantes a bordo. A ação se passa em seis órbitas, e cada viagem em torno da Terra serve como um capítulo da narrativa. A história é esquemática, dando espaço para que cada astronauta tenha seus problemas pessoais expostos. Além de conversarem sobre como ajudar um ao outro, ou às vezes simplesmente criticar o companheiro, todos também têm suas visões de mundo a dividir com a turma enquanto cuidam das tarefas rotineiras na nave. “Orbital” tem uma narrativa minimalista, num texto lírico que apresenta uma trama sutil, onde as reflexões pessoais têm mais espaço do que cenas de ação propriamente ditas. O mais surpreendente é como Samantha Harvey consegue profundidade num livro tão curto.
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IN MEMORIAN
Edmund White, voz essencial na prosa homoafetiva
Neste mês, a literatura já perdeu dois grandes nomes. No último dia 9 morreu o autor britânico de livros de espionagem Frederick Forsyth, aos 86 anos. Foi um gigante, e quem ainda não leu “O Dia do Chacal” não sabe o que está perdendo. Mas, para a TORPEDO, a grande perda aconteceu no dia 3 de junho, com a morte do americano Edmund White. Aos 85 anos, ele deixa uma vasta obra, pouco traduzida no Brasil, que inclui romances, biografias e ensaios. Ainda nos anos 1980, ele se transformou numa figura seminal da literatura gay. Sua trilogia autobiográfica “A Boy’s Own Stroy” (1982), “The Beautiful Room Is Empty” (1988) e ‘The Farewell Symphony” (1997) é emocionante. Mas quem quer realmente conhecer o melhor de White precisa garimpar nos sebos um exemplar de “Um Homem Casado”, lançado no Brasil pela Siciliano, em 2001. É um relato tocante numa prosa belíssima. Dois intelectuais maduros, soropositivos, mantém um relacionamento há décadas. Quando um deles entra em fase terminal, o outro, que é o narrador do romance, o acompanha numa última viagem por locais importantes na vida dos dois. Com humor mordaz e uma observação perspicaz da vida, Edmund White é um autor para ser descoberto por qualquer tipo de leitor. Uma boa maneira de fazer isso é ler duas biografias escritas por ele que ainda são encontradas nas livrarias brasileiras. Para melhorar ainda mais, tratam de dois nomes fundamentais na literatura mundial: os franceses Arthur Rimbaud (1854-1891) e Jean Genet (1910-1986). White escreveu brilhantemente a vida dos dois em “Rimbaud: A Vida Dupla de um Rebelde”, edição da Companhia das Letras, e “Genet: Uma Biografia”, publicado pela Record.
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