TORPEDO Extra - O amoral e talentoso Ripley, em várias versões
Série na Netflix traz um novo rosto para o personagem criado pela escritora Patricia Highsmith, um homem disposto a tudo por dinheiro, tudo mesmo, que já foi levado ao cinema em ótimo filmes
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“Ripley”, fotografia deslumbrante e o ritmo certo
Mesmo se não fosse a melhor adaptação do notório personagem já criada para a tela, a série "Ripley" teria seu lugar entre os grandes trabalhos televisivos apenas pela deslumbrante fotografia. O preto e branco exibido na produção da Netflix é algo ímpar, com infindáveis tons de cinza que muitas vezes tendem ao prateado, já vale uma conferida. Para quem ainda não conhece o livro da escritora Patrícia Highsmith, "O Talentoso Ripley", de 1955, é uma ótima introdução. Para quem já leu o livro e assistiu a algumas de suas várias versões, a avaliação será óbvia ao final dos oito episódios: o roteiro do também diretor Steven Zaillan capta a essência do escroque charmoso Tom Ripley.
Muito mais conhecido como roteirista do que diretor, tendo escrito “O Irlandês”, de Martin Scorsese, Zaillian traz à série sua inegável capacidade de narrar uma história num ritmo muito peculiar. Ele cria cenas aparentemente repetitivas, mas que vão construindo aos poucos o perfil do personagem principal e o cenário onde ele está inserido. Depois de mostrar o cotidiano de falcatruas de Tom Ripley na Nova York dos anos 1950, acompanha sua ida a Itália contratado por um milionário que pede a ele que traga de volta o filho playboy, Dickie, que se isolou por lá. Chegando na cidadezinha litorânea, Ripley se encanta com a vida glamorosa do herdeiro e tenta, depois de abrir o jogo sobre os planos de seu pai, ganhar a confiança de Dickie. O que se vê nos capítulos seguintes é a maneira como Ripley vai assumindo a personalidade do outro. Em sua obsessão, não vai impor limites até conseguir ter a mesma vida do rapaz.
A história de Ripley é tão conhecida que ninguém vai se surpreender com o final. Poderia até ser relatado aqui, sem risco de spoiler. Mas o grande prazer de assistir a “Ripley” é ver como Zaillian vai tecendo o mundo de mentiras do personagem. Para isso, conta com a ajuda de um ator cada vez mais em alta no cinema, o irlandês Andrew Scott, que pode ser visto também no badalado drama “Todos Nós Desconhecidos”. Scott empresta seu rosto inexpressivo para compor uma fachada de homem simplório, enquanto sua mente engenhosa está trabalhando freneticamente para alcançar seus objetivos. Estão bem também o sul-africano Johnny Flynn, como o milionário enfastiado Dixie Greenleaf, e a americana Dakota Fanning, como Marge, sua namorada. Aqui o trailer.
A beleza de Alain Delon em “O Sol Por Testemunha”
Dirigido pelo francês René Clément em 1960, o clássico “O Sol por Testemunha” está muito escondido em apenas uma plataforma, Google Play, com o título “À Luz do Sol”. É uma clara demonstração de ignorância da história cinematográfica da parte dos responsáveis por sua distribuição no streaming. Patricia Highsmith não gostou da escalação do ator para viver Ripley, o astro Alain Delon, na época considerado por muitos o ser humano mais bonito do planeta Terra (e talvez isso não fosse exagero). Para ela, Ripley não poderia ser um homem lindo como o ator francês, porque ele arma suas falcatruas justamente para deixar de ser alguém “invisível”, sem atrativos. Polêmica posta de lado, Delon é um dos acertos do filme, criando um Ripley enigmático. Embora bem agradável, o filme toma muitas liberdades para alterar o enredo do livro. Mas tem personalidade, é filme para ser assistido. Aqui o trailer.
Os acertos e os defeitos de “O Talentoso Ripley”
Lançada em 1999 e disponível na Netflix, na Amazon e na Apple TV, a versão hollywoodiana “O Talentoso Ripley” é um bom filme, dirigido e roteirizado pelo britânico Anthony Minghella, que vinha do estrondoso sucesso de seu trabalho anterior, “O Paciente Inglês” (1996), ganhador de nove estatuetas no Oscar. No elenco, atores quentes da então jovem geração: Matt Damon, Jude Law e Gwyneth Paltrow. A produção acerta a mão numa concepção visual glamurosa, segue o livro com boa fidelidade, mas derrapa na escalação de Damon como Ripley. Bom ator, embora supervalorizado pela crítica, ele não conseguiu fazer o público esquecer de sua aura de “bonzinho”. Cai na caricatura ao tentar um Ripley “frio e calculista”, para usar o clichê. Mas é uma produção de primeira linha. Aqui o trailer.
O retorno de um Ripley talentoso e envelhecido
A diretora italiana Liliana Cavani, com um currículo de filmes impressionantes como “A Pele” e a obra-prima “O Porteiro da Noite”, arrisca bastante neste “O Retorno do Talentoso Ripley”. É uma adaptação de “O Jogo de Ripley”, terceiro romance do personagem, publicado pela primeira vez em 1974. O longa pode ser encontrado na Apple TV com o título “O Jogo de Mr. Ripley” e traz John Malkovich como um envelhecido Ripley. Na trama, ele tenta convencer um homem íntegro a cometer um assassinato por uma grande soma em dinheiro. E tudo que pode dar errado nesse processo dá mesmo muito errado. É um filme intrigante, mas fica claro que a cineasta não está em seus momentos mais brilhantes. Na verdade, é arrastado, com uma edição meio preguiçosa. O sempre ótimo Malkovich é melhor do que o filme que tenta carregar nas costas. Aqui o trailer.
“O Amigo Americano” e as ousadias de Wim Wenders
Ninguém tomou tantas “liberdades poéticas” ao adaptar Ripley quanto o diretor alemão Wim Wenders. “O Amigo Americano”, de 1977, traz Dennis Hopper como Tom Ripley, num filme que é pouco centrado na figura do falsário. A trama, mais uma adaptada de “O Jogo de Ripley”, é cheia de personagens interessantes, dois deles interpretados nas escalações carinhosas de dois cineastas idolatrados por Wenders se transformando em atores, Samuel Fuller e Nicolas Ray. Mais do que Hopper, quem brilha no filme é o ator alemão Bruno Ganz. Highsmith adorou as modificações que Wenders incluiu no roteiro. Apesar delas, o perfil psicológico de Ripley está fiel ao criado pela escritora. O filme está no catálogo da Globo Play. Aqui o trailer.
A AUTORA
A texana Patricia Highsmith nasceu em 1921 e viveu em sua juventude em Nova York. Antes de escrever romances ou publicar contos em revistas, ela foi roteirista de quadrinhos nos anos 1940. Alguns exemplares de gibis do super-herói Black Terror escritos por ela já foram vendidos por mais de 4.000 dólares em leilões. Seu primeiro romance publicado, “Estranhos em um Trem” (1950) , foi adaptado para o cinema por Alfred Hitchcock, no filme “Pacto Sinistro”, rodado meses após o lançamento do livro. Em 1955, “O Talentoso Ripley” chegou às livrarias. O personagem voltaria nos livros “Ripley Subterrâneo” (1970), “O Jogo de Ripley” (1974), “O Garoto que Seguiu Ripley” (1980) e “Ripley Debaixo d’Água” (1991). Os dramas morais de seus personagens aproximam sua literatura do pensamento filosófico existencialista. Ela morreu em 1995, em Locarno, na Suíça, aos 74 anos. Deixou 22 livros.
ALÉM DE RIPLEY
“Carol”, um drama delicado com duelo de atrizes
“Carol” é o segundo livro publicado por Patricia Highsmith, em 1953, no qual ela usou o pseudônimo Claire Morgan, para fugir de pressões sociais. O romance tem uma bagagem autobiográfica na história de uma jovem que se apaixona por uma mulher mais velha na Nova York dos anos 1950. O filme “Carol”, de 2015, é uma belíssima adaptação, com a direção delicada do cineasta Todd Haynes e duas atrizes em atuações fantásticas, Cate Blanchett e Rooney Mara. Pode ser assistido no Looke, no Mubi, na Apple TV e no Google Play. Aqui o trailer.
“As Duas Faces de Janeiro” é só estilo, sem estofo
Desta vez a coisa não foi bem. Lançado em 2014, “As Duas Faces de Janeiro” é baseado no livro do mesmo nome que Highsmith publicou em 1960. Fez grande sucesso, como quase tudo que ela escreveu, mas a adaptação burocrática do diretor Hossein Amini só ressalta que se trata de um “Ripley genérico”, com a história de um casal de vigaristas e um homem que conhecem na Grécia, os três envolvidos numa trama de assassinato. Apesar dos atores famosos – Viggo Mortensen, Kirsten Dunst e Oscar Isaac –, o melhor do filme é sua ambientação glamurosa. Está disponível no Prime Video e na Apple TV. Aqui o trailer.
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Concordo c tudo, incluse que o Alain Delon era belo demais p convencer no papel